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um blog, aqui. uma peça, atualmente em cartaz. um filme, em algum lugar do futuro. músicas e sentimentos, em toda parte.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

escritos

De início, Rímini considerou-as oferendas de amor e se sentiu lisonjeado. Redigidas quase sempre no verso de um papel já escrito, como pedidos de ajuda ou mensagens clandestinas, tinham algo de jóias domésticas, o encanto de um artesanato sentimental, ansioso e conjuntural, que comove tanto por suas perspicácias quanto por suas negligências. Assim que as encontrava, Rímini sentia a urgência de lê-las, réplica tardia da urgência que Sofía teria experimentado ao escrevê-las, e para saborear aquelas frasezinhas intempestivas era capaz de abrir uma boca de fogão e esquecer de acendê-la, interromper um trabalho pela metade, parar no meio do cruzamento de uma avenida ou deixar flutuando no ar, com a descortesia clássica dos apaixonados, a pergunta que alguém lhe fizera há pouco. Cada mensagem era um bálsamo, um jorro de felicidade, a pequena dose com que uma droga absoluta, o amor que sentia por Sofía, revitalizava seu vício quando Rímini menos esperava. Ou quando o hábito - e a ausência momentânea de Sofía - o levara a acreditar que poderia abster-se dela. O que o comovia não era o fato de encontrá-las, e sim o fato de que elas, infalíveis, sempre o encontravam, atravessando e vencendo, como mensageiros suicidas todos os obstáculos que o mundo interpunha entre ele e Sofía. Sempre as lia de imediato, às vezes nas situações mais arriscadas, quando qualquer distração podia prejudicá-lo ou deixá-lo em perigo. Mas ele se achava invulnerável: as cartas - e, sobretudo, essa nuvem deliciosa em que o envolviam - eram sua couraça e seu antídoto.


Alan Pauls - "O Passado"


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