.: estudo de personagem nº 03
.

um blog, aqui. uma peça, atualmente em cartaz. um filme, em algum lugar do futuro. músicas e sentimentos, em toda parte.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

estudo de personagem nº 03

o que eu sinto é uma espécie de paralisia. mas que também pode ser chamada de desolação da ausência, de desespero da ansiedade, de angústia do não pertencimento. como uma criança que não é convidada para o jogo a que assiste de fora, sozinha.

como todas as pessoas tolamente apaixonadas, eu acordo pensando em você. e grito dentro de mim durante todo o dia a dor de não saber sobre a sua vida.

eu escovo os dentes e penso sobre a hora em que você acorda. penso sobre a roupa que você veste enquanto lavo as minhas e sobre o que você faz durante a manhã enquanto eu sinto muito sono. quando saio e dou "bom dia" ao porteiro, penso se você está cansado ou se dormiu bem.

eu me alimento mal e penso sobre onde você almoça. faço sozinho as palavras cruzadas do guia da programação cultural da semana e penso sobre com quem você conversa. sinto uma inelutável inércia durante as tardes e penso no que você faz das suas, o que você estuda, com quem você trabalha, por onde andam suas reflexões, o que você aprende, o que você esquece, o que você planeja.

eu deixo meu carro na garagem e penso se você pega trânsito, se você se irrita, como e para onde você se locomove, se você ouve música no rádio, se você ouve cds, quais são eles, se você canta junto, se estaríamos escutando os mesmos cantores no mesmo momento porque o nome disso é “sincronicidade”, se as músicas traduzem seus sentimentos tanto quanto os meus, quais então resumiriam o seu estado de espírito, quais te explicariam a mim e com que eficácia, o que eu preciso ouvir, o que eu preciso saber, o que você esconde e o que tem medo de não revelar, porque eu só to pedindo a tua mão e um pouquinho do braço, eu não quero que você me engula, não quero que você me assista, não quero que você me assuma, não quero que você me corte, talvez queira um pouco que você me inclua, eu só quero um segundo teu e um segundo meu, um instante de dois, apenas te peço que aceite o nosso estranho amor, por favor não evites meu amor, meus convites, minha dor, meus apelos, vem perder-te em meus braços, pelo amor de deus.

(não importa mais o que foi perdido, importa apenas o teu sorriso e nada mais)

eu trabalho esperando notícias suas que não chegam e penso em quantas vezes o seu telefone toca, quantas delas você atende, quanto tempo duram suas ligações, o que você escreve nas mensagens que manda e que não são pra mim, de quem você recebe as palavras que eu com muito esforço consigo não escrever.

eu tomo banho me achando desprezivelmente feio e querendo querer fazer exercícios físicos, pensando como seria se eu tivesse um corpo bonito. eu penso se você faz exercícios físicos ou se acha seu próprio corpo bonito e penso que eu acho ele bonito e que eu desejo o seu corpo sem exercícios físicos, exatamente como ele é.

eu tento me distrair com filmes, séries de tv ou com amigos que valem a pena e penso em quantas coisas divertidas acontecem com você, quantas piadas você está fazendo, quantas risadas está dando, quantas pessoas está fazendo rir.

eu penso nas coisas que penso e penso que queria dizê-las a você e que queria ouvir as que você andou pensando, ouvir as novidades, as descobertas, saber daquilo que você tem gostado ou não.

eu enfrento meus bloqueios criativos e uma vontade paralisante de me encolher em mim mesmo, no canto da sala, no escuro, talvez ouvindo tango com sombras quadriculadas entrando pela janela, e penso nos seus talentos, nas idéias que está tendo, no que está criando, nos projetos que planeja e dos quais participa, a quem está entretendo ou encantando, ou ambos, ou tudo.

calado sem tango ou diante da luz perfurante do computador que também me sonega notícias suas, eu penso sobre as tantas coisas que eu não sei e que você não está me contando. eu penso sobre os seus amigos que eu nem conheço e penso quantos deles te encontram. eu penso em quem pode estar te deixando feliz e nos diferentes afetos que você pode estar trocando com outras pessoas que não sou eu. eu penso em quem encosta no seu corpo, quem te olha nos olhos, quem te beija, se é que beija, porque eu queria que ninguém te beijasse, mas não ia dizer isso mas já disse.

eu penso acima de tudo se você pensa em mim tanto quanto eu penso em você. se você também se corrói imaginando o que eu estou sentindo porque qualquer pessoa sabe que essa não é uma sensação agradável e é uma sensação que aliás incomoda tanto que você nem imagina, você nem imagina como as horas passam atordoantes enquanto eu procuro o botão que desliga meus pensamentos ou que me faz dormir e preferencialmente não sonhar com você, o que é inútil porque eu sonho mesmo quase todas as noites.

eu penso sobre o que você pensa de mim. se me despreza, se se confunde, se sente a mesma saudades filha da puta que eu sinto.

eu vou dormir pensando que você podia ser uma dessas pessoas que surpreendem as outras, que ligam bêbadas às 3 da manhã ou que enviam torpedos mal digitados e escancaradamente sinceros, porque todo mundo sabe que eu sou assim embora seja evidente que muitas vezes eu me arrependa. eu olho as horas no meu telefone celular para saber se já são 3 da manhã e se alguma tentativa de contato aconteceu enquanto os minutos passam e são quase 3 da manhã.

eu vou dormir depois de não conseguir dormir, pensando se amanhã já será o dia em que eu não vou pensar em você, ou se pelo menos eu acordarei com esse pensamento. e pensando principalmente se amanhã é o dia em que talvez, por acaso, sem qualquer planejamento, eu possa vir a te encontrar.


3 comentários:

  1. Incrível como você conseguiu dizer com precisão o que está se passando pela minha cabeça agora. Adorei a idéia do blog, a forma como você escreve natural, sincera. Vou vir aqui sempre.

    ResponderExcluir
  2. Esse texto é assim, tudo e mais um pouco.

    ResponderExcluir